sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A tecnologia e o futebol

O texto abaixo foi copiado do livro Tostão - Lembranças, Opiniões, Reflexões sobre Futebol, publicado em 1997 pela Ed. DBA.

Livro Tostão

As ciências da computação e da estatística invadiram definitivamente o futebol. Em vez de diminuírem a criatividade, tornam o homem mais inteligente e imaginativo. Não se precisa correr ansiosamente atrás das informações nas bibliotecas e livrarias, perdendo um precioso tempo. O homem agora usa esse tempo para analisar, pensar, criar, a partir das informações do computador.

Na minha época, não havia jogadas ensaiadas, estatísticas, análise técnica individual e coletiva dos adversários, nutrição especial, exame de lactato para medir a função muscular, fisiologia do esforço, psicólogo nem pensar, artroscopia, computadores etc. Tudo isso foi importante para o futebol e para todos os esportes. Carlos Alberto Parreira, Cláudio Coutinho e outros foram os responsáveis, precursores do futebol científico, e muito devemos a eles.

Esse suporte é essencial para o atleta, mas não pode anular a sua qualidade técnica nem o seu talento. Passamos uma longa fase seduzidos por computadores e estatísticas, esquecemos de jogar futebol, e houve uma piora expressiva na qualidade do nosso esporte. A euforia passou, e voltamos a nos admirar com o passe de curva, o drible, a improvisação, a molecagem no bom sentido. Isso é que faz a diferença no nosso futebol.

A medicina é uma ciência predominantemente estatística, e isso ajuda muito o médico. Hoje se sabe qual a probabilidade, por exemplo, de um paciente tomar um comprimido de aspirina e ter uma hemorragia digestiva. O técnico de futebol também pode saber qual a probabilidade de um escanteio cobrado na trave direita ou esquerda resultar em gol. Esses dados ajudam o médico e o técnico a decidir a conduta. Entretanto, para ser um bom médico ou treinador, é preciso um pouco mais: saber qual paciente vai tomar a aspirina e quem vai cobrar o escanteio. A estatística é uma referência, pois a regra geral não vale sempre para a conduta individual.

O craque não é o que erra menos, e sim o que faz as jogadas decisivas. Uma parte da imprensa e alguns técnicos perceberam isso e passaram a exigir mais dos jogadores: passar só para o lado não vale, é preciso o passe longo, coragem, criatividade, ousadia etc.

Filpo Nuñes, ex-técnico da academia do Palmeiras, foi treinar o Cruzeiro da minha época. Após as partidas, reunia os jogadores e dizia, com sabedoria, a um atacante ou armador: “Quantos gols você fez? Quantos passes deu para fazer gols? Quantos chutes ou passes deu que quase resultaram em gols? Se não fez nada disso, então não jogou nada.

Estamos no bom caminho, tentando unir a técnica científica à arte de jogar futebol. Se ganharmos a Copa de 1998, tudo será só alegria; se perdermos, e não será surpresa pois só mum vence, não podemos retroceder como após 1982, voltando a jogar um futebol feio e improdutivo.